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Uma das principais dificuldades associadas às fontes renováveis no Brasil, a dependência do clima para a geração, pode estar próxima de uma solução, conforme as empresas de diferentes perfis se movimentam para estocar em baterias a energia gerada pelas usinas eólicas e solares.

As companhias interessadas veem no leilão de reserva de capacidade deste ano a primeira grande oportunidade para o armazenamento ganhar espaço no país.

A inclusão do armazenamento no certame está em análise e a decisão final será do Ministério de Minas e Energia (MME).

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) também trabalha na análise dos prós e contras da contratação das baterias no leilão. A decisão será tomada em breve – na sexta (24/5), um seminário técnico discutiu o tema com empresas e associações.

“É uma questão de construir as condições de segurança jurídica”, afirmou o secretário executivo de transição energética e planejamento do Ministério de Minas e Energia (MME), Thiago Barral, em recente audiência pública na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados.

O objetivo do leilão é contratar geração despachável para o sistema, ou seja, a disponibilidade necessária para atender à carga.

Desse modo, seria inviável a participação da geração eólica e solar. São as chamadas fontes variáveis, que dependem da frequência dos ventos e da insolação para gerar energia.

O leilão de potência, contudo, não é a única alternativa para remunerar as fontes variáveis com o uso das baterias.

Mesmo sem existir um marco específico, agentes do setor afirmam que as questões que preocupam o ministério podem ser resolvidas com debates técnicos prévios ao leilão.

“É uma geração como qualquer outra, é despachável porque tem a bateria, então estaria abrindo a cota para as renováveis. Isso não depende de regulação”, diz Sérgio Jacobsen, conselheiro da Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia (Absae).

Por que contratar baterias?

Os preços das baterias estão em queda no mundo, o que motiva os negócios no Brasil. A solução é competitiva sobretudo para garantir o atendimento da carga entre as 17 horas e as 21 horas, quando a geração solar diminui e o consumo de eletricidade nas residências aumenta.

No caso das usinas solares, há a vantagem de poder gerar energia para estocar no começo do dia, quando o consumo ainda é baixo.

É uma solução complementar às fontes tipicamente usadas para garantir o despacho – das térmicas, incluindo as nucleares, e as hidrelétricas com reservatórios.

O rápido acionamento das baterias, por processos eletrônicos, ajudaria a atender a essa demanda do começo da noite e os picos repentinos de demanda (carga).

Além disso, poderia ser mais eficiente para atender a esse despacho de curto prazo do que o acionamento das termelétricas, que levam mais tempo para atingirem a capacidade total de geração, defendem os agentes do setor.

Por ser um processo termodinâmico, mais lento, as térmicas têm uma “rampa” de acionamento mais longa, momento no qual já consomem combustível antes mesmo de atingir o melhor nível de eficiência.

Assim, é uma forma de aumentar a entrada de fontes renováveis variáveis no atendimento ao consumo de energia no dia-a-dia, mesmo que não substitua completamente o uso de térmicas.

Quem está de olho nesse mercado?

A consulta pública com a proposta do governo para o leilão foi encerrada no dia 26 de abril e deu sinais de quais agentes estão interessados no tema do armazenamento.

A EDP, por exemplo, sugeriu a substituição da contratação de hidrelétricas por novas tecnologias de armazenamento.

A companhia afirma que a operação desses sistemas pode dar autonomia e confiabilidade ao sistema elétrico, além de maior flexibilidade operativa.

Outra empresa que confirmou à agência epbr intenção de participar do leilão com as baterias é a Statkraft.

Em abril, as associações brasileiras de energia eólica (Abeeólica), de energia solar fotovoltaica (Absolar), da indústria elétrica e eletrônica (Abinee) e de soluções de armazenamento de energia (Absae e Abaque) publicaram uma nota conjunta defendendo a contratação das baterias no leilão.

O argumento é de que hoje o país “desperdiça” grandes volumes de geração solar e eólica durante o dia, que poderiam ser armazenados para atender aos momentos de maior demanda do sistema.

“De um lado está sobrando energia, de outro lado a gente contrata termelétricas para atender principalmente a ponta noturna. Aquilo que o sistema elétrico hoje precisa na verdade é uma reserva de capacidade que dê flexibilidade operativa”, diz o presidente do conselho de administração da Absae, Markus Vlasits.

Criada em agosto de 2023, a Absae já tem 18 associadas, sendo muitos nomes de peso no setor elétrico, como a WEG e a Eletrobras. Antes da criação da entidade, há menos de um ano, a Absolar tenta discutir o tema com o governo há cerca de dois anos e meio.

Na visão do diretor técnico-regulatório da Absolar, Carlos Dornellas, caso as baterias sejam contempladas no leilão, levam vantagens projetos de grandes grupos em consórcios ou de empresas que já atuem na geração renovável e no armazenamento no exterior.

Para ele, os preços oferecidos pelas baterias no leilão devem ser mais baratos do que o dos projetos termelétricos, mas ainda mais elevados que as hidrelétricas, que têm a vantagem de poder competir com ampliações em plantas que já tiveram a maior parte dos investimentos amortizados.

“É como se fosse um experimento com essa tecnologia nova, até para que os investidores possam mostrar que é viável e aplicável”, defende.

Qual poderia ser o volume contratado?

As associações defendem que o governo destine 1 gigawatt (GW) de contratação no leilão aos sistemas de armazenamento, por meio de um produto separado das hidrelétricas e termelétricas. As baterias são modulares, por isso, esse volume permite a contratação em diversos projetos.

“É um volume que é grande o suficiente para mostrar a eficácia, também para já contribuir ainda mais se a gente tiver um direcionamento para o submercado nordeste onde a maior parte da geração fotovoltaica e eólica acontece e onde temos hoje os maiores problemas de vertimento”, diz Vlasits, da Absae.

No primeiro leilão de potência, em 2021, foram contratados ao todo 4,6 GW, apenas de termelétricas. Ainda não há indicação do volume a ser contratado no certame deste ano. A destinação de uma parcela para a nova tecnologia, no entanto, necessariamente levaria a uma redução no tamanho da contratação das demais fontes.

Os defensores das baterias afirmam que não querem tirar espaço das termelétricas no sistema e que as tecnologias podem atuar de forma complementar.

O argumento é que as baterias são mais eficientes para despachos pontuais e de curto prazo, diários, enquanto as termelétricas são importantes para momentos de menor geração hidrelétrica quando chove menos e há necessidade de um despacho de maior duração.

“Nós somos um complemento, temos características técnicas únicas que fazem sentido, que agregam valor ao sistema elétrico e cada um vai fazer aquilo que ele sabe fazer bem”, diz Vlasits.

O momento atual é visto como uma oportunidade não só pela necessidade de contratar potência para o sistema, como também pela redução nos custos da tecnologia.

Quais são os desafios?

Algumas das questões que ainda precisam ser superadas são a adequação da modelagem do sistema do Operador Nacional do Sistema (ONS) para permitir o acionamento dos sistemas de armazenamento e a definição se o uso será diário ou apenas em momentos críticos de necessidade de energia no sistema.

Outro ponto indefinido é se a contratação das baterias ocorreria de forma conjunta ou separada das fontes de geração e se os locais para a instalação desses sistemas vai ser livre ou escolhidos de forma prévia.

“Não estamos falando de incertezas tecnológicas ou falta de competitividade, estamos falando de arranjos operacionais, jurídicos, regulatórios”, disse.

A Absae diz que é possível contratar baterias no leilão mesmo sem o marco regulatório, dado que os sistemas vão estar acoplados a usinas de geração solar e eólica.

“São alterações apenas nas diretrizes dos leilões nas minutas do contrato, mas não requer uma alteração regulatória”, afirmou Vlasits.

Outra incerteza diz respeito às regras contratuais, dado que as baterias podem prestar mais 12 serviços além do fornecimento de potência, como o controle de tensão do sistema elétrico. A grande dúvida é se projetos ganhadores de contratos no leilão poderiam “empilhar contratos” para desempenhar outras atividades.

“Os contratos precisam refletir essa versatilidade”, disse Barral.

Além de fornecer potência ao sistema, as baterias funcionam como um “canivete suíço”, pois podem exercer outras funções, como proteger os consumidores de eventuais quedas no fornecimento, substituindo geradores a diesel, e ajudar no controle da tensão.

Outra função importante é para grandes consumidores do mercado livre poderem gerir a compra de energia, de modo a aproveitar os momentos em que os preços estão mais baixos e armazenar a energia, evitando a compra quando está mais cara.

Do lado da geração, há ainda a opção de armazenar a energia quando ocorrem restrições na transmissão.

Futuros projetos de armazenamento apenas, entretanto, vão depender da regulação, já que vai ser necessário classificar os operadores desses sistemas como um novo ator no setor elétrico, o agente armazenador.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) iniciou em 2022 um debate sobre a regulação do tema, na consulta pública 39, que ainda está em fase de análise das contribuições para a publicação de uma resolução sobre o assunto.

Existem projetos em operação no Brasil?

Hoje, a maior iniciativa no país é operada pela ISA Cteep no litoral do estado de São Paulo. Em operação desde 2022, foi o primeiro projeto de armazenamento em larga escala no país, com 30 megawatts (MW).

A iniciativa, no entanto, atua de forma complementar ao sistema de transmissão em momentos de alta carga na região, portanto, é uma solução diferente do fornecimento de potência.

Também existem soluções para ajudar a otimizar o consumo no mercado livre, no qual grandes consumidores podem escolher os supridores. Nesse caso, a solução substitui uma das aplicações dos geradores a diesel.

A Matrix Energia lançou em março para os clientes do mercado livre a opção de instalar baterias, em uma parceria com a fornecedora chinesa Huawei.

A intenção é reduzir o custo total da eletricidade, sem necessidade de investimentos adicionais por parte do consumidor. Nesse serviço, a função do armazenamento é deslocar o horário de pico de consumo, de modo a não coincidir com os momentos em que a energia está mais cara no mercado livre.

“Abasteço a bateria no horário mais barato, e descarrego no horário mais caro”, explica o diretor da Matrix, Alexandre Gomes.

Já há projetos em operação para dois clientes: o Santo Mercado (SP) e o frigorífico Cofril (ES). A terceira instalação vai entrar em operação em julho, para a empresa de colágenos e gelatinas Gelco (SP).

“Temos um projeto que está em negociação comercial, outro projeto que já fechamos comercialmente e estamos discutindo uma minuta contratual. O nosso plano é ter comercializado 212 megawatt-hora (MWh) em baterias diversas até dezembro”, afirmou Gomes.

A estimativa é que o custo de cada megawatt hora instalado em cliente tem um custo de cerca de R$ 2 milhões, preço que tende a cair com o ganho de escala.

A empresa já iniciou a importação, pelo porto de Vitória (ES), de sistemas capazes de atender a uma demanda de 120 MWh, por meio de módulos de 100 kWh e de 200 kWh. Segundo Gomes, a ideia é também conseguir atender clientes menores em breve.

Todos os projetos em operação e avaliação no país até o momento têm sistemas importados, sobretudo da China, mas grandes fornecedores avaliam a possibilidade de produção local.

“Se o Brasil mostrar que vai ser um mercado muito importante nos próximos anos isso pode ajudar a incentivar uma indústria local”, disse Valer, da Huawei.

O armazenamento no mundo hoje

Segundo dados da Absae, em 2023, ao redor do mundo quase 40 gigawatt (GW) de potência em armazenamento foram implementados no mundo. O crescimento está ligado à necessidade de ampliação da geração renovável no contexto da transição energética.

“O que esses sistemas de armazenamento estão fazendo basicamente são duas coisas: trazer mais confiabilidade e estabilidade dos sistemas elétricos e, por outro lado, dar maior flexibilidade e liberdade energética aos consumidores”, diz Vlasits.

O maior número de projetos hoje está na China, Alemanha e Itália, além dos estados da Califórnia e do Texas, nos Estados Unidos. Ao todo, a América Latina tem 505 megawatts (MW) instalados em projetos de armazenamento operacionais, volume que equivale a apenas 3% dos 16 gigawatts (GW) dos EUA, segundo dados da consultoria Americas Market Intelligence. Na região, o Chile concentra os projetos com 338 MW, seguido por Porto Rico, com 84 MW e pelo Brasil, com 30 MW.

Favorece o crescimento da solução no mundo a queda nos custos: a Absae calcula uma queda de cerca de 40% no preço dos sistemas na média global nos últimos 12 meses. A tendência é da queda nas cotações continuar, segundo o diretor técnico da Huawei Digital Power, Roberto Valer.

“São vários motivos: o investimento em tecnologia, que faz com que a tecnologia se desenvolva e tenha uma eficiência cada vez maior; o investimento na capacidade produtiva de várias fábricas, principalmente na China, e a própria demanda do mercado” disse em entrevista à agência epbr.

Os fornecedores acompanham de perto a discussão e inclusive participaram em peso da audiência pública no começo do mês, mas como ouvintes. Foram registradas as presenças de Moura, WEG, Wärtsilä, Huawei e UCB.

Na ocasião, Barral reconheceu que tem ocorrido uma aceleração da capacidade instalada de baterias no mundo e que a inclusão no leilão ajudaria a revelar o preço desses sistemas no Brasil.

“Nos últimos dez anos houve uma redução consistente nos preços da bateria. São recursos cada vez mais competitivos”, disse o secretário.

Fonte: epbr

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