Parques eólicos e solares são ‘desligados’ para evitar sobrecarga e cobram ressarcimento que pode pesar na conta de luz

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O aumento de interrupções na geração de energia elétrica de fontes renováveis tem gerado uma disputa entre diferentes agentes do setor e pode acabar levando a um impacto direto na conta de luz dos brasileiros. A polêmica envolve a redução forçada de produção de eletricidade especialmente nas fontes renováveis, ou seja, eólica e solar.

Cálculos do Itaú BBA com base em números do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontam que, em dezembro do ano passado, os cortes de geração em parques solares e eólicas chegaram a 17,8% e 9,8%, respetivamente, de toda carga produzida pelas duas fontes no Brasil.

O pico foi registrado em setembro de 2024, quando as restrições chegaram a 15,5% na fonte eólica e 20,6% na solar fotovoltaica (considerando só os parques solares, sem incluir na conta o que é produzido pelas placas instaladas nos telhados de casas e empresas).

A situação é complexa e tem até um nome pomposo em inglês: curtailment. Basicamente, a cada segundo, o ONS precisa acionar o parque gerador de energia em volume exatamente igual à demanda do país naquele momento. Por isso, há situações em que é preciso parar de produzir para não haver excesso de oferta.

Isso ocorre, por exemplo, quando há alta incidência de sol e vento, levando a geração total a superar a demanda, principalmente no Nordeste. Também pode acontecer por falta de disponibilidade de linhas de transmissão, sendo necessário interromper a geração para evitar sobrecarga.

As regras da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estabelecem que empresas afetadas pelos cortes devem ser ressarcidas majoritariamente apenas no segundo caso, e a conta é paga pelos encargos embutidos nas contas de luz. O que se debate agora é a ampliação desse ressarcimento, demandada pelas geradoras.

É que as medidas de restrição energética se intensificaram após o apagão de agosto de 2023, causado por uma falha em uma linha de transmissão do Ceará. No ano passado, com aumento dos cortes, empresas do setor foram à Justiça pedir ressarcimento enquanto a Aneel discute o assunto.

Linhas saturadas

O relatório do Itaú BBA mostra que a maioria dos cortes na fonte eólica aconteceram no Ceará, com 15%, seguido pelo Rio Grande do Norte, com 14%. No caso da solar, Minas Gerais lidera com 21%, e a Bahia vem logo em seguida, com 20% da energia gerada.

O professor de engenharia elétrica da Universidade de Brasília (UnB), Ivan Camargo, explica que o incidente de 2023 serviu como “alerta” para o ONS, que começou a limitar a capacidade de escoamento de energia do Nordeste para o restante do país e endurecer as regras sobre cortes de geração. A região concentra a maior parte da geração dessas fontes renováveis.

— O Nordeste tem condições favoráveis para usinas solares e eólicas, mas, com esses problemas, a impressão é que a quantidade operável já está saturada. Esses cortes dão um prejuízo muito grande. Imaginando um investimento de 30 anos, mesmo sabendo que a energia solar principalmente entrou com um subsídio absolutamente exagerado, evidentemente eles vão reclamar. E a solução mais fácil sempre é botar a conta para os consumidores — diz o especialista.

Os critérios para ressarcimento em casos de cortes ficaram mais duros, segundo os dois setores afetados, que pedem mudanças. Ambos alegam que, em 2024, receberam menos de 1% do montante que seria ressarcido com as regras antigas. O consenso entre operadores eólicos e solares é que os cortes sucessivos afetam os investimentos em fontes renováveis e mantêm o alto custo da energia, já que os prejuízos tendem a ser divididos entre todas as contas de luz.

A diretora de Regulação da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Talita Porto, diz que os critérios mais rígidos limitaram as possibilidades de ressarcimento pelas interrupções:

— Estamos tendo um corte de geração em algumas usinas que chegam a 70%, 80%, o que é muito alto. E quando você inicia a operação e tem um impacto desse logo no início do projeto, isso é fatal para o empreendimento.

As eólicas também sustentam que as regras precisam ser flexibilizadas, mas o diretor de Regulação da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Francisco Silva, critica o que chama de crescimento desordenado da geração distribuída, as placas solares nos telhados. Segundo ele, o excesso de incentivos a essas soluções provocou um desequilíbrio no setor, com excesso de oferta de energia:

— O grande problema foi a forma como a geração distribuída acabou inserida no Brasil, com uma quantidade de subsídios que fazia esses projetos se pagarem em torno de um ano. Isso é um retorno muito alto para qualquer investimento de infraestrutura.

A associação de geração distribuída (ABGD) nega qualquer relação desse modelo com cortes. A entidade critica o que considera falta de planejamento e a limitação estrutural das redes de transmissão. “O que está em jogo aqui não é a confiabilidade do sistema, mas uma disputa de mercado, na qual grandes geradores, ao invés de melhorarem sua eficiência e competitividade, buscam transferir seus erros e riscos para outros players do setor elétrico e, pior, jogar a conta para todos os consumidores”, diz a entidade.

Governo prega equilíbrio

No meio de campo, o governo prega a busca de equilíbrio entre ressarcimentos e custo da energia. O Ministério de Minas e Energia informou em nota que acompanha a situação dos cortes de geração, “especialmente daqueles decorrentes do atraso do último governo em realizar as obras de transmissão necessárias ao escoamento de energia”.

Para especialistas, o caminho para uma solução não é simples, mas passa pela modernização da infraestrutura do sistema elétrico, além de um aumento da demanda da população.

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Prado, destaca que é necessário aumentar a “flexibilidade” do sistema elétrico brasileiro, tendo em vista o crescimento das fontes renováveis. Segundo ele, há tecnologias que dão maior controle sobre a quantidade e o horário em que a energia é injetada no sistema:

— A gente pode até adotar baterias. Tem as usinas hidrelétricas reversíveis, o que seria basicamente utilizar os reservatórios como uma forma de bateria. Você bombearia a água de um reservatório para outro em momentos em que há sobras de energia.

Fonte: O Globo

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