MP do setor elétrico muda lógica de contratos no ACL e expõe agentes a riscos, dizem fontes

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MP (Medida Provisória) 1.300, que trata da reforma do setor elétrico, muda a lógica dos contratos no ACL (Ambiente de Contratação Livre) de energia e deve expor grande parte dos agentes aos riscos do mercado de curto prazo, afirmaram fontes do setor à Agência iNFRA.

Na avaliação de interlocutores que atuam no ACL, a MP dá fim a duas práticas contratuais difundidas no segmento: flexibilidade do volume contratado e garantia de “registro contra pagamento”. Nos dois casos, a impressão dos agentes é que as limitações da MP aumentam o risco sistêmico no setor, uma vez que atingem a maioria dos agentes. Interlocutores estimam que mais de 90% dos contratos do mercado livre têm essas duas cláusulas.

Isso porque a medida estabelece o fim dos descontos no fio do segmento consumo para os contratos assinados a partir de janeiro de 2026, com uma regra de transição até 31 de dezembro de 2025. Nesse período, os agentes podem celebrar os seus contratos e ainda contar com os subsídios. Contudo, não podem ajustar os volumes contratados depois do registro junto à CCEE (Câmara de Comercialização de Energia).

A regra foi criada porque, após a divulgação da minuta da MP, comercializadoras e geradoras de energia foram à CCEE registrar os seus contratos com volumes zerados, a fim de ajustar o consumo ao longo do tempo e garantir os descontos no fio por tempo indeterminado.

“Com a intenção de evitar esse tipo de estratégia, o ministério mudou o texto para ‘registro e validação’. Mas, quando se fala de ‘registro e validação’ do volume, você tem que dizer exatamente o volume que vai ser comprado por mês, por ano, no futuro. Eu tenho que dizer hoje quanto desse volume vai ser comprado”, explicou o CEO da Clarke Energia, Pedro Rio.

Segundo o executivo, o mérito da proposta é justo ao procurar evitar uma manobra comercial, que geraria distorções no mercado, mas a consequência do texto é o fim de práticas já consolidadas no ACL.

Flexibilidade de volume
É comum no ACL a comercialização de energia com flexibilidade de consumo. Ou seja, um contrato negociado com 10% de flexibilidade significa que o volume de energia consumido poderá ser 10% menor ou maior. Isso é possível porque os agentes, após registrarem os contratos junto à CCEE, poderiam ajustar os volumes de acordo com o consumo real.

“Hoje em dia, nos últimos cinco anos principalmente, popularizou-se muito o aumento dessa ‘flex’. O mais popular do mercado é de mais ou menos 100%. Então, você pode ir de zero ao dobro do consumo. E já tem casos de oferta de condições ainda maiores, como ‘flex 500’ [500% de flexibilidade] ou até ‘flex infinita’”, afirmou o CEO da Clarke.

Pedro Rio explica ainda que o mercado livre funciona com o registro do volume após o consumo. Assim, é registrado na CCEE o que foi efetivamente consumido dentro da banda de flexibilidade permitida pelo contrato.

Com as regras da MP, que impedem ajustes, o agente fica obrigado a cravar o volume exato de energia antes do consumo, ao registrar o documento. Isso, na avaliação de agentes consultados pela Agência iNFRA, encerra a flexibilidade nos contratos.

Nesse caso, se o agente consumir mais ou menos que o contratado, deverá ir ao mercado de curto prazo para comprar o que faltou ou vender o excedente. De ambas as formas, fica sujeito ao preço do dia e pode sair no prejuízo, afirmam fontes.

Por outro lado, um interlocutor que atua no ACL levanta a possibilidade de as comercializadoras registrarem os contratos com os volumes superiores da banda de flexibilidade, reduzindo os volumes mês a mês de acordo com o comportamento do consumo.

Garantias
Outra modalidade amplamente difundida no setor é a chamada garantia “registro contra pagamento”. Isso significa que o contrato só tem o volume registrado após o pagamento pelo comprador – geralmente feito até o sexto dia útil do mês. Mesmo em contratos de longa duração, os volumes são ajustados mês a mês, conforme o pagamento do comprador. Dessa forma, essa prática evita a necessidade de aporte de garantias financeiras – que são mais custosas.

No entanto, a MP inviabiliza essa prática ao determinar que os contratos cravem todos os volumes consumidos. Assim, não há possibilidade de ajuste dos volumes após o registro e, portanto, o comprador terá que aportar uma garantia para todo o volume contratado, sem a possibilidade de usar a modalidade mais barata, de “registro contra pagamento”.

“Das duas uma: ou o consumidor vai ter que apresentar uma garantia, o que vai tornar a sua energia mais cara, ou o fornecedor vai tomar risco caso não exija a apresentação de garantia. Só que isso [a não exigência de garantia] é perigoso até para o setor porque se torna um risco sistêmico, você entrega o produto sem garantia de pagamento e sem capacidade de corte, porque está tudo registrado”, destaca Pedro Rio.

Por isso, segundo fontes, a regra da MP obriga a realização de aportes altos como garantias, elevando o custo para o comprador. Ao mesmo tempo, o texto aumenta o risco de inadimplência, caso os agentes optem pela não exigência de garantia.

À Agência iNFRA, interlocutores do mercado afirmam que ainda tentam encontrar formas economicamente viáveis de contornar o fim da garantia “registro contra pagamento”, mas contam com a retirada do fim do subsídio da MP ou a criação de uma regra de transição durante a tramitação do texto no Congresso.

Trading de lastro de incentivada
Outro ponto destacado pelos agentes do ACL é o fim do chamado “trading de lastro de incentivada” a partir de 1º de janeiro de 2026. Ou seja, os agentes que contrataram energia incentivada para fazer trading, contando com os descontos no fio, têm até o final do ano para destinar os volumes.

Uma fonte do setor dá o seguinte exemplo: se uma comercializadora tiver vendido energia incentivada para um consumidor no prazo de transição, mas não tiver comprado a energia da geradora ainda, não vai conseguir honrar os contratos após esse período porque o volume negociado depois de 1º de janeiro de 2026 não vai contar com subsídio.

Da mesma forma, se a comercializadora comprou energia incentivada da geradora até 31 de dezembro de 2025, mas não vendeu a um consumidor, vai ser mais difícil destinar o volume de energia porque o comprador não terá mais o desconto.

Dessa maneira, disseram fontes à Agência iNFRA, os agentes precisam se livrar do estoque de “créditos” de descontos, acumulados quando a comercializadora compra mais energia incentivada do que vende em um determinado período. A consequência é a redução do preço dessa energia no curto prazo, talvez abaixo do que foi pago pelos agentes.

Fonte: Agência iNFRA

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