A abertura completa do mercado livre de energia elétrica tem o potencial de reduzir o valor da conta dos brasileiros de baixa renda, grupo formado por famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais ou que tenham moradores atendidos pelo Benefício de Prestação Continuada (BCP). Atualmente, esses consumidores recebem desconto por meio de benefício governamental que podem atingir até 65% da fatura, a depender do consumo mensal.
Caso tenham o direito de escolher o fornecedor da energia, mais de 5 milhões dos consumidores poderiam obter descontos adicionais entre 7,5% e 10% na conta de energia. A estimativa consta no estudo «Portabilidade da conta de luz: impacto social e papel na transição energética justa», feito pela Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel).
O acesso ao mercado livre de energia é restrito hoje a apenas 0,03% dos consumidores brasileiros, que consomem 38% do que é gerado no país. É acessado principalmente por grandes indústrias e empresas, embora as exigências para migração já venham se reduzindo nos últimos anos, de forma a estimular que um número maior de pequenas e médias empresas ingressem no mercado.
Ao ter a possibilidade de escolher o fornecedor no mercado livre, o consumidor poderá arbitrar entre o que for mais barato: manter a compra da energia subsidiada ou migrar para um contrato com preço ainda menor no mercado livre.
«Identificamos que a migração para o mercado livre de energia elétrica é viável também para consumidores de baixa renda, principalmente os que têm maior consumo, geralmente com famílias mais numerosas e um custo de vida bastante impactado pelo valor crescente da conta de energia», afirma o presidente-executivo da Abraceel, Rodrigo Ferreira.
Segundo a Abraceel, os descontos adicionais na fatura elétrica viabilizados pela abertura do mercado de energia beneficiariam 62% dos cenários identificados em um mapeamento que cruza 40 faixas de consumo em 33 mercados regionais regulados nos quais os consumidores brasileiros estão inseridos. «Quanto mais próximo da média de consumo do Brasil, mais competitivo fica o mercado livre, inclusive para consumidores enquadrados como baixa renda», conclui Ferreira.
De acordo com o estudo, ao viabilizar um desconto adicional aos consumidores de baixa renda, beneficiados pela Tarifa Social de Energia Elétrica, a abertura do mercado de energia elétrica permitiria reduzir em aproximadamente R$ 1,4 bilhão o subsídio concedido ao grupo de baixa renda, cujo custo é distribuído, via Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), para os demais consumidores brasileiros de eletricidade, livres e cativos. Dessa forma, o valor total da CDE, cujo orçamento é de R$ 33,4 bilhões em 2023, poderia cair 4%.
No último ano, o governo deu importantes passos para permitir que todos os consumidores do país, inclusive residenciais, possam contratar energia diretamente de um fornecedor. Pelos cálculos da Abraceel, a abertura do mercado pode ocorrer em janeiro de 2026 e existem grandes expectativas de proporcionar uma economia de 18% na conta de energia elétrica, além de liberar mais de R$ 20 bilhões para a compra de bens e serviços.
Em setembro, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou uma portaria que permite aos consumidores do mercado de alta tensão, com carga de até 0,5 megawatt (MW) — o que abrange grandes indústrias e shopping centers, por exemplo — a possibilidade de migração para o mercado livre a partir de 1º de janeiro de 2024.
O próximo passo de abertura total do mercado permitirá o acesso de todos os consumidores. De acordo com o MME, o tema está em discussão em consulta pública específica para tratamento dos consumidores de baixa tensão. «A iniciativa está em linha com a modernização do setor e com a premissa do MME de ter o consumidor como protagonista, sem a necessidade de criação de subsídios que distorcem o mercado», disse a pasta, em nota.
Os desafios regulatórios do setor elétrico são enormes para chegar ao consumidor cativo, que compra energia das distribuidoras e paga as tarifas estabelecidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). É o que destaca Ivan Camargo, professor de engenharia elétrica da Universidade de Brasília (UnB): «Lei de abertura do mercado livre é de 1995 e daqui a pouco completará 30 anos. Estamos avançando em passos lentos, mas indo na direção correta, que é a de aumento de competitividade».
No longo prazo, o mercado de energia deve ficar mais parecido com o de telefonia. Para consumidores residenciais, a relação com as distribuidoras será mantida apenas para o serviço de distribuição, ao passo que haverá liberdade para a compra da energia.
Apesar da demora no avanço do livre mercado para o consumidor residencial, Camargo avalia que tem crescido exponencialmente a geração distribuída, que é realizada por consumidores independentes e também tem grande potencial de abaixar a conta de energia. Para isso, são utilizadas fontes renováveis de energia ou com elevada eficiência energética, localizados próximos aos centros de consumo de energia elétrica.»Existe um aumento expressivo no caso brasileiro da energia distribuída, que são os painéis solares instalados nas residências. A incidência solar no Brasil faz com que a energia gerada por painéis seja economicamente viável. Estamos indo muito bem, o que é muito positivo considerando os desafios da transição energética», avalia o especialista.
O compartilhamento de energia solar no Brasil passa por um processo de expansão, com cada vez mais pessoas buscando pela modalidade de energia limpa. De acordo com um levantamento da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), atualmente já estão instalados 400 mil sistemas de captação e geração de energia solar para atender 500 mil unidades consumidoras.
O setor de energia solar compartilhada também atingiu a marca recorde de R$ 23,1 bilhões em investimentos. O ranking de consumo da modalidade de energia limpa é liderado pelas residências, que representam 73,6% do total produzido. Em seguida, vêm comércio e serviços com 16,6%, a zona rural com 7,0%, e as indústrias com 2,4%.
A energia solar compartilhada tem como característica a junção de vários consumidores para dividir os custos e benefícios da unidade geradora de energia. Outra vantagem da energia solar compartilhada é a possibilidade de usufruir de energia limpa mesmo sem um espaço para produzi-la no local de consumo. Na modalidade de assinatura de energia solar, por exemplo, toda energia é produzida nas fazendas solares.
A fornecedora de energia digital LUZ iniciou sua operação em Brasília em maio, atuando no mercado de baixa tensão. Uma fazenda solar em Planaltina entrou em operação e outras duas devem ser ativadas até dezembro. A primeira é de microgeração, com 1 megawatt (MW).
As outras duas fazendas vão ofertar 5MW cada até agosto deste ano. O fornecimento é pela rede da Companhia Energética de Brasília (CEB) e a empresa pode contemplar até 9 mil unidades consumidoras na região. «O desafio é entender a regionalização do Brasil. Toda vez que chegamos em uma nova localidade fazemos uma análise prévia para entender os custos e o perfil da população. Em Brasília, por exemplo, as taxas são mais altas por conta da fiação subterrânea, que tem manutenção mais cara», comenta Rafael Maia, CEO da LUZ.
«Nossa ideia é levar o benefício para todas as localidades do país, compreendendo o que faz sentido para o perfil de cada consumidor. Brasília é uma cidade desenvolvida e o caminho digital faz sentido para seus moradores. Assim, seguimos neste processo de aprendizado contínuo para atender melhor os clientes», diz Maia.
Fonte: Estado de Minas