Neste final de semana completa o primeiro mês desde que o preço da energia no mercado à vista passou a ser calculado na base horária. Ao mesmo tempo o setor elétrico viu diferentes avanços que eram esperados há tempo. Entre eles o avanço na questão dos débitos do GSF e o início da negociação de contratos de derivativos pela BBCE. A convergência desses fatores vem trazendo um novo ambiente para o desenvolvimento do mercado livre que tem em 2021 o desafio de ser ano de pautas relacionadas à modernização do modelo regulatório.
Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, o comportamento do PLD Horário ao longo dos primeiros 30 dias no âmbito comercial foi o que se esperava. Não houve surpresas apesar da condição hidrológica adversa pela qual o país passa. Um dos motivos apontados foi o longo período que o modelo Dessem foi usado de forma paralela à operação normal dos agentes. Nesse tempo foi proporcionado treinamento e a adaptação dos sistemas de forma que não houvesse impactos expressivos. E foi o que aconteceu.
De acordo com um levantamento da Agência CanalEnergia com base nos dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, o PLD horário médio ao longo dos dias da semana manteve-se praticamente equacionado no mês de janeiro em todo o país. Houve variações entre o submercado Nordeste e o resto do país por poucos dias. Mesmo comportamento foi verificado no Sudeste/Centro-Oeste, conforme mostra o gráfico abaixo.
Contudo, a impressão é de que ainda é muito cedo para estabelecer uma avaliação mais profunda dessa nova forma de negociar energia no mercado à vista. Primeiro, porque estamos em pleno período úmido, mesmo sendo este um momento atípico para a época do ano. As vazões estão baixas e os reservatórios não apresentam o ritmo esperado de replecionamento. Tanto é que desde o final do ano passado o país convive com o despacho fora da ordem de mérito, que tem ajudado a manter o volume em elevação. Então, a análise é de que é necessário aguardar e verificar o comportamento dos preços até pelo menos meados de 2021.
“Nesse primeiro mês vimos que o nível de preços está mais ou menos na mesma ordem de grandeza quando comparado com os valores semanais da função de custo futuro do Decomp e o perfil diário segue a carga líquida do sistema”, avalia o gerente de Projetos da PSR, Celso Dall’Orto.
Para ele, as variações diárias estão relacionadas mais diretamente a restrições que eventualmente podem ocorrer naturalmente na operação. São ocorrências como, por exemplo, a variabilidade da geração eólica ou solar, alguma indisponibilidade de linha de transmissão. Mas em geral, o primeiro mês mostrou uma concatenação de valores com a carga líquida.
Houve eventos em que o pico do PLD horário ocorreu em período diferente do usual, como nas primeiras horas em alguns dos dias. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica afirmou em nota que avaliará o que levou a esse comportamento atípico do preço já que na maioria dos dias o pico de preços ocorreu ou no início da noite ou no meio da tarde, como é o normal.
Nível de preços deverá acompanhar a FCF do Decomp, e o valor horário o perfil de carga líquida, assim como vimos em janeiro.
Celso Dall’Orto, da PSR
“Janeiro foi dentro do que era esperado, claro que o processo está sendo acompanhado de forma mais atenta pelos agentes na disponibilização das informações ao passo que vamos acumulando um maior volume de dados para serem tratados”, acrescenta o executivo da PSR. E projeta que o nível de preços ao longo do ano poderá acompanhar o FCF do Decomp, assim como foi nos 30 primeiros dias, bem como para o valor horário referente ao perfil de carga líquida.
Tiago Correia, CEO da RegE Consultoria, é outro especialista que avalia o PLD horário como dentro da normalidade mesmo em um mês de stress por conta da hidrologia. Ele lembra que uma das dificuldades que os agentes esperavam encontrar seria a tradicional alta volatilidade do PLD, ainda mais na base horária, o que não ocorreu. Para ele, tomando como base a dinâmica de janeiro, o período foi positivo.
Leonardo Salvi, diretor de Operações da Electra Energy, corrobora a avaliação de que as primeiras semanas de operação do preço de liquidação das diferenças horário foram de relativa tranquilidade no setor elétrico, um sinal positivo para o mercado que aguardava o processo com alguma ansiedade. Aponta que a amplitude média ficou próxima de R$ 28/MWh nos primeiros 28 dias. No período, o preço médio ficou em R$ 251,72 por MWh no submercado Sudeste/Centro-Oeste; R$ 250,10/MWh no Sul; R$ 248,65/MWh no Nordeste; e R$ 250,08/MWh no Norte.
“As variações do preço abrem oportunidades de redução de custos para consumidores livres que podem ajustar suas necessidades de energia ao longo do dia, concentrando o consumo nos momentos em que é menos custosa. Favorece, portanto, o desenvolvimento de programas de resposta da demanda”, estima o executivo.
Variações de preços abrem oportunidades aos consumidores, favorece o desenvolvimento de programas de resposta da demanda, Leonardo Salvi, da Electra Energy
Uma questão a ser observada, lembra Salvi, é de como se dará a recuperação da economia diante das incertezas quanto ao ritmo da pandemia de covid-19 e como se dará o programa de imunização no país e a retomada da normalidade. Concomitante a isso, sua expectativa é de que o movimento de migrações de consumidores deve continuar forte estimulado pelo aumento da difusão de informações sobre as vantagens do ACL e as perspectivas de variações expressivas das tarifas de energia neste ano.
Pelo lado do gerador, o resultado do primeiro mês foi classificado como positivo, pelo menos para a Ibitu Energia. A empresa que possui um portfólio em sua maioria eólica, mas conta também com a fonte hídrica, reportou receita adicional com a adoção do modelo Dessem na CCEE. Segundo o CEO da empresa, Gustavo Ribeiro, o resultado confirmou as expectativas que foram calculadas. Ele não revela o valor, mas garante que a empresa está sendo superavitária com o PLD horário.
“Estudamos muito e agora estamos colhendo os frutos do que imaginávamos, são 20 dias apenas, mas sem stress nesse período. Posso dizer que estamos preparados para solavancos, pois estudamos muito bem o tema e seu impacto nos nossos negócios”, diz ele.
O CEO da RegE comentou que o ambiente de janeiro com o início das negociações de derivativos no ambiente do BBCE, que traz mais liquidez ao mercado, a resolução próxima do GSF e o destravamento de uma parcela dos débitos do risco hidrológico traz uma perspectiva de maturidade importante para o futuro do setor. E mostra que o mercado por si só possui capacidade para criar suas soluções desvinculando-se da dinâmica diversa das reformas setoriais que dependem do governo.
Correia cita a resposta da demanda como um instrumento interessante já que a ampliação do programa a todo o país e as perspectivas de pagamento aos agentes – fator que não era viabilizado com a liquidação do MCP travado – pode fazer com que essa ferramenta ganhe mais relevância.
Janeiro foi um mês interessante para o aprendizado dos agentes em relação ao PLD horário, mas é necessário mais tempo para uma avaliação mais precisa.
Tiago Correia, da RegE Consultoria
“Preços mais baixos não viabilizam a resposta da demanda, ao mesmo tempo temos os derivativos e o GSF com os valores próximos a serem equacionados. Isso mostra que poderemos ter um ano promissor”, descreve ele. Sugere ainda que uma possibilidade para a resposta da demanda seria a de abrir a participação a grandes consumidores fora da rede de supervisão do ONS que poderia alcançar até tensões de 13 kV e não limitar apenas a 230 kV.
Dall’Orto, da PSR, aponta que essa convergência de fatores vista desde o final de 2020 e que chegou a janeiro abre novas oportunidades na área de gestão dos contratos por parte de consumidores e em busca de portfólio e novos serviços pelos geradores e comercializadoras. A questão do risco ganha mais destaque. Outro ponto é a possibilidade de um programa de resposta da demanda mais eficiente, citando também o fato de a Aneel autorizar a extensão da medida para todo o país.
Por essas avaliações positivas, o presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia, Reginaldo Medeiros, enxerga que o ano de 2021 deverá ser o ano de foco na modernização do setor elétrico. Ele concorda que ainda é necessário esperar a primeira liquidação financeira do mercado de curto prazo que a CCEE realiza para que possa ser verificado o efeito desses primeiros 30 dias do novo mercado livre.
Medeiros também descreve que houve tranquilidade e nenhuma surpresa ao longo do período em relação ao PLD horário. Para ele, a proximidade da normalização do fluxo de pagamentos do MCP que se dará em breve, a entrada do preço horário e os contratos de derivativos que iniciaram a negociação abrem um leque de perspectivas para o setor. Cada uma das comercializadoras, lembra, vem desenvolvendo em segredo seus produtos e estratégias para conquistar espaço nesse mercado que é extremamente competitivo.
“Aqui na Abraceel somos um receptáculo de reclamações se alguma coisa vai mal. Este mês não tivemos ligações nesse sentido, então isto sinaliza que está tudo bem quanto ao PLD horário”, comenta Medeiros.
Em 2021 deveremos focar no avanço de projetos de modernização do modelo setorial que ficaram parados em 2020 por conta da pandemia
Reginaldo Medeiros, da Abraceel
Com isso, ele afirma que vê 2021 com uma perspectiva positiva e aponta que o ano será o de aceleração das reformas que estão no Congresso Nacional. Ele ressalta que as ações esperadas para 2020 ficaram paradas, justificadamente, por conta do combate à pandemia, mas que agora devem avançar. Nessa fila, ele cita a MP 998, o PLS 232 e a lei do Gás. Assim, completa, “o mercado livre, o ambiente que tem viabilizado a expansão da geração no país, continue a avançar, diferentemente do regulado que vem enfrentando as dificuldades impostas por um modelo comercial que está falido e não funciona mais”, finaliza o executivo da Abraceel.
Fonte: Canal Energia