A paralisação de parte da indústria e do comércio por causa das medidas de contenção do surto do novo coronavírus deve levar a uma onda de renegociação de contratos no mercado livre de energia (ACL), ambiente no qual grandes consumidores contratam energia diretamente do fornecedor. Nos bastidores, existe o temor de que a situação evolua para inadimplência e judicialização, já que ainda não se sabe a dimensão da crise. Porém, especialistas e agentes do setor preferem evitar discursos alarmistas e apontam que é de interesse das empresas resolver qualquer problema amigavelmente. Com a redução de suas operações, indústria e varejo devem ficar com sobras contratuais de energia, abrindo espaço para a devolução de parte do montante contratado. Os shoppings centers, por exemplo, já estão revendo despesas com energia, o maior custo de operação, afirma a Abrasce, associação que representa o setor. “A recomendação é que os contratos sejam renegociados”, diz a entidade, em nota. |
Porém, essas negociações podem ser dificultadas pelo baixo nível do PLD (preço de referência do mercado à vista), que tende a criar mais resistência por parte dos fornecedores em aceitar a recompra dessa energia para talvez liquidá-la no mercado de curto prazo.
Especialistas apontam que não há uma tendência clara de como a situação do coronavírus impactará o mercado livre, já que os contratos firmados nesse ambiente são bilaterais e de livre negociação entre as partes – ou seja, cada caso é um caso. “Apenas as partes envolvidas são capazes de mensurar a profundidade dos efeitos da pandemia em seus negócios e os limites da cota de sacrifício que cada um consegue suportar”, afirma Leonardo Salvi, diretor de Operações da comercializadora Electra Energy.
Para o presidente da Abraceel (associação dos comercializadores), Reginaldo Medeiros, algumas empresas poderão ter dificuldade para cumprir contratos e alegarão “força maior”. “Mas isso é perfeitamente previsto, os contratos têm cláusulas de arbitragem. O que temos é de respeitá-los”.
Entre advogados, a sensação é de que seria prematuro falar em judicialização do tema. Para Rômulo Mariani, sócio do Baraldi Mariani Advogados, não há risco de uma nova onda de ações judiciais no setor. Segundo ele, a judicialização que ocorreu nos últimos anos foi motivada por questões de governo, seja por decisões ou pela pouca margem de negociação. Agora, as discussões são entre empresas, em contratos que preveem arbitragem – que, por sua vez, costuma levar a processos mais técnicos e céleres. Rebecca Maduro, sócia do L.O. Baptista Advogados, lembra ainda que a arbitragem tem custo relevante e representa um rompimento da relação comercial – assim, pode não ser ideal para lidar com um evento passageiro de queda de demanda.
Nesse sentido, também não se vê a necessidade de intervenção do governo. Paulo Mayon, consultor, professor da FIA USP e conselheiro de empresas do setor elétrico, defende que o ACL possui mecanismos para se ajustar e tem a participação de bancos, grandes companhias integradas de energia e comercializadoras independentes com patrimônio líquido robusto. Na mesma linha, Luiz Barroso, presidente da consultoria PSR, afirma que a crise pode ser discutida bilateralmente, com soluções de mercado, “deixando para o governo atuar onde já tem que atuar”.
O presidente do Fórum de Associações do Setor Elétrico, Mário Menel, alerta para que as empresas aproveitem enquanto há tempo hábil para renegociar contratos. “Mais para a frente, não sei como vai acontecer”.
Fonte: Valor
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