Hoje faz 24 anos que a Lei das Concessões (Lei 9074/95) foi aprovada, dando início à modernização de um setor elétrico até então dominado por monopólios verticalmente integrados. Embora a nova lei atendesse fundamentalmente aos interesses da indústria, renovando as concessões de estatais que estavam vencidas, a matéria inovou e introduziu uma série de dispositivos para proteger o consumidor dos monopólios, dentre os quais se destaca a criação do produtor independente e a prorrogação das concessões de distribuição – sem exclusividade no fornecimento – o que permitiu imediatamente o direito de escolha aos grandes consumidores (fatura acima de 2,5 milhões de reais/mês) e, cinco anos depois, aos consumidores com faturas acima de 850 mil reais em valores atuais. As medidas permitiram o desenvolvimento inicial do mercado livre de energia no Brasil.
A nova lei também estabeleceu que, a critério do Governo (Poder Concedente), a portabilidade da conta de luz poderia ser estendida aos demais consumidores, inclusive residenciais, sem a necessidade de alteração legal. A Aneel chegou a promover uma audiência pública, em 1999, propondo a total abertura de mercado elétrico brasileiro para o início do ano de 2005. Desde então muita coisa aconteceu no setor elétrico e a liberdade para o consumidor brasileiro administrar a sua vida energética nunca chegou, o que nos deixa hoje na rabeira mundial em matéria de abertura de mercado.
Para ser fiel aos fatos, em 24 anos, a única decisão concreta que combateu a pressão do setor contra a abertura do mercado elétrico foi tomada no final do ano passado, quando a liberdade plena de escolha do fornecedor foi concedida aos consumidores acima de 2.000 kW (fatura mensal de 550 mil reais/mês) pelo ministro Moreira Franco, com firme apoio da Aneel.
A principal razão para a demora na abertura do mercado elétrico brasileiro é o competente lobby da tradicional indústria elétrica já estabelecida para inibir a entrada de novos players no mercado e que exerce forte pressão sobre o Congresso e o Governo para o repasse de uma série de custos pretéritos ao consumidor cuja origem é a má gestão das empresas (ex: privatizadas da Eletrobras) ou antigas “barbeiragens” regulatórias dos últimos governos (ex: MP 579).
Há um mundo novo na energia, que é caracterizado pelas novas tecnologias de produção e uso da eletricidade e por processos comerciais disruptivos que trazem redução de custos e preços, aumento da geração distribuída por fontes renováveis e um papel ativo do consumidor na gestão das suas necessidades de energia. Tudo isso depende da reforma do modelo comercial do setor para a correta alocação de risco entre agentes e a eliminação de ineficiências e subsídios que pressionam os custos dos consumidores.
Entretanto, por meio de um mecanismo elétrico perverso que suga a população com tarifas reguladas elevadas, a portabilidade da conta de luz sempre é postergada para aguardar a solução de um problema emergencial da indústria que, por sua vez, cria uma nova ineficiência setorial (CDE, cotização, artificialismo tarifário que gerou a conta ACR, imputação do risco hidrológico ao consumidor, despachos fora da ordem do mérito, estabelecimento de tetos irreais para o PLD), que demanda outras intervenções pontuais e cria novos custos encalhados que precisarão ser repassados, o que sempre serve como pretexto para retardar a modernização do setor elétrico no Brasil, que tem no seu bojo a abertura do mercado. A solução para o risco hidráulico paralisa decisões capitais no setor há 4 anos por exemplo. Apenas para mensurar os benefícios da competição para os consumidores, estudos da Abraceel mostram que os poucos consumidores que hoje tem acesso ao mercado livre de energia adquiram o produto 29% mais barato que os consumidores que compraram energia por meio das tarifas reguladas das distribuidoras ao longo dos últimos 15 anos.
Um tema brasileiro muito atual é a queda de braço entre o Governo e o Congresso Nacional pela liderança na modernização do país. Isso ficou patente recentemente quando o Conselho Nacional de Política Energética – órgão de assessoramento do Presidente da República – tomou a decisão histórica de abrir o mercado de gás, contrariando os fortes interesses monopolistas das distribuidoras. Os parlamentares da Comissão de Minas e Energia criticaram a atitude dos ministros envolvidos na correta decisão, alegando que a medida deveria ser tomada por iniciativa do Poder Legislativo.
No momento, a reforma do mercado elétrico está em debate tanto no Ministério de Minas e Energia, por meio de um Grupo de Trabalho, quanto no Congresso Nacional, por meio do PL 1917 (Câmara) e do PLS 232 (Senado). Para o consumidor de eletricidade não importa quem será o vencedor da disputa, o que ele deseja é preços menores e ter o seu direito de escolha preservado como atesta recente pesquisa do Ibope para a Abraceel sobre o que pensa e quer o brasileiro do setor elétrico. A pesquisa revelou que 87% acha que a energia elétrica é cara ou muito cara, mais de 70% deseja ter o direito de escolha do fornecedor e mais de 90% gostaria de produzir a sua própria energia nas suas residências. Sobre a disputa entre os Poderes Executivo e Legislativo pelo protagonismo do país vale lembrar a famosa frase de Deng Xiao Ping: “Não importa se o gato é preto ou branco, importa que apanhe os ratos“. Rapidamente, de preferência!
Reginaldo Medeiros é presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia
Fonte: Canal Energia
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