ONS reforça necessidade de horário de verão em 2025

Em quatro meses, micro e minigeração distribuída cresce 2,8 GW no Brasil
23 de maio de 2025
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O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) reforçou, em reunião do CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) na quarta-feira (14), a necessidade de adoção do horário de verão em 2025, como medida para deslocar a demanda no horário de ponta do sistema. A informação é do diretor-geral do Operador, Marcio Rea, que completa um ano à frente da entidade neste sábado (17).

Em entrevista à Agência iNFRA, Rea frisou que a adoção do horário de verão é uma decisão política do governo, que passa pelo MME (Ministério de Minas e Energia) e pela Presidência da República. Para o ONS, a medida é necessária do ponto de vista técnico. “Reforçamos que tecnicamente é importante o horário de verão. Ele vai contribuir, até por conta dessa questão [das chuvas abaixo da média] do Sul. Mas agora depende de uma avaliação governamental”, afirmou.

Ele disse que diante do período úmido com afluências abaixo da média, já estão sendo avaliadas medidas para assegurar o atendimento de potência no segundo semestre. Além da recomendação de volta do horário de verão, as medidas incluem despacho de térmicas e antecipação de suprimento de usinas contratadas no LRCAP (Leilão de Reserva de Capacidade) de 2021.

O diretor-geral ainda elencou medidas em curso para redução dos cortes obrigatórios de geração, o chamado curtailment, que podem aumentar o escoamento de energia do Nordeste em até 2 GW (gigawatts), e os desafios para o sistema com a demanda crescente de energia, em especial por projetos de data centers e hidrogênio verde.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista: 

Agência iNFRA – Qual o balanço desse primeiro ano de gestão, das realizações e desafios para a operação do sistema?
Marcio Rea
 – No dia 17 de maio completo um ano aqui na frente do ONS. É um motivo de muito orgulho comandar uma equipe tão qualificada, competente e séria, o que é muito importante para conseguirmos desenvolver um bom trabalho numa área que é tão delicada, que milhões de pessoas dependem das nossas decisões. Nós temos no setor elétrico brasileiro muitos desafios: estiagem, enchentes. Sempre tem um desafio.

No plano institucional, a gente iniciou uma fase de maior aproximação entre o ONS e o Ministério de Minas e Energia, com uma atuação em conjunto e com um diálogo mais permanente. Estamos tentando trazer o ONS como um puxador. Então falamos toda hora com EPE [Empresa de Pesquisa Energética], ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica], CCEE [Câmara de Comercialização de Energia Elétrica] e coordenando junto com o ministério todo esse trabalho. Todo esse esforço tem permitido que o operador contribua de uma forma mais efetiva para os debates essenciais do setor elétrico. 

Temos tentado buscar soluções, como é o caso do curtailment. Foi criado um grupo de trabalho, coordenado pelo ministério, que discute questões relativas a acessos de rede de transmissão, aumento de micro e minigeração distribuída e a outros temas relevantes do setor. Então, neste primeiro ano que eu estou aqui no ONS, não faltaram desafios. Eles são inerentes à operação do sistema.

O ONS vê mais desafiador o ano de 2025 do que 2024?
Com certeza. Até por conta desse crescimento da micro e pequena geração, tem sido bem mais desafiador. E tem a questão de que no Sul estamos com a previsão de ter um período mais seco. Então teremos mais um desafio com isso a partir dos próximos meses. E no início do ano, por conta das altas temperaturas, passamos por vários recordes de carga para atendimento pleno da demanda, o que mostra que nós temos um sistema robusto, resiliente, e que a gente atende às demandas da sociedade sem nenhum percalço.

Quais as perspectivas do ONS para o suprimento e para a operação do SIN neste ano, em especial para o período seco?
O ano de 2024 foi muito desafiador em termos de estiagem. Foi a pior estiagem dos últimos 70 anos. O período tipicamente úmido, que foi de novembro até agora em abril, apresentou afluências muito baixas também. Isso trouxe pontos de atenção para a gente. O maior problema que vamos enfrentar [em 2025] é na região Sul. E tem sido necessária a maximização de intercâmbio de energia, já estamos conversando bastante sobre isso. 

No CMSE, eu demonstrei a nossa preocupação com os próximos meses na região Sul, por conta do abastecimento de água. Os níveis estão aquém do que a gente esperava, e estamos tratando de medidas para assegurar o atendimento de potência no segundo semestre. Isso é muito importante, já estamos nos adiantando. Pode ser que daqui a pouco chova bastante e melhore, mas já estamos pensando em horário de verão, despacho de térmicas se precisar, antecipação do LRCAP, que vai acontecer. Estamos tomando uma série de medidas para não sermos pegos de surpresa.

No ano passado, essa questão do horário de verão gerou uma discussão com o governo, se iria adotar ou não. As perspectivas mudaram para este ano?
Então, neste ano o horário de verão é importante. Nós fizemos um relatório mostrando toda essa questão, encaminhamos para o ministério. E agora o ministério faz a parte política desse assunto. Mas a gente entende tecnicamente ser muito viável em 2025.

Esse relatório é o do ano passado ou foi feito o outro em 2025?
É o do ano passado, que já prevê o [horário de verão] deste ano. É com esse relatório que o ministro vai tomar uma decisão junto ao presidente da República. Eles pedem para a gente sempre atualizar a questão técnica. A gente atualiza e diz: ‘Olha, tudo indica que vai precisar, que é importante’. E aí o governo faz toda a avaliação, porque isso mexe com linha aérea, com empresas, com muita coisa. Acredito que o ministério deve pedir agora em junho mais uma atualização nossa para eles tomarem uma decisão.

Então o senhor reforçou durante a reunião do CMSE desta semana que seria necessário o horário de verão?
Sim, reforçamos que tecnicamente é importante o horário de verão. Tecnicamente ele vai contribuir, até por conta dessa questão do Sul. Mas agora depende de uma avaliação governamental.

O que é essa questão do Sul? 
Os níveis dos reservatórios estão baixos no Sul. O período úmido foi aquém do que a gente esperava. Então estamos até pensando em começar a utilizar térmicas. Vai precisar. É um cenário hidroenergético desfavorável para o Sul, que faz com que o nível dos reservatórios esteja em torno de 35%. Então vem sendo necessária a maximização de intercâmbios de energia do Sudeste/Centro-Oeste para a região visando a manutenção de armazenamento.

As chuvas não foram suficientes para melhorar os níveis dos reservatórios do Sul. Então isso preocupa, porque, se continuar não chovendo e tivermos uma demanda maior, a gente pode ter problema. Então já estamos avaliando tudo isso e encaminhando para o ministério para que eles tenham conhecimento e tomem as providências necessárias.

O parque térmico atual está robusto o suficiente para atender à demanda?
Está robusto. No final do ano passado, foi sugerido para que as térmicas fizessem uma revisão nas máquinas para ver se estava tudo em ordem. Então, hoje a gente tem essa garantia.

Se a gente conseguir passar sem utilizar muita térmica, é melhor, porque a térmica é sempre uma energia mais cara. Então, o mínimo possível. Mas, se precisar, a gente tem à disposição. No CMSE desta semana, [ficou decidido] que o ONS vai entregar um estudo até esta sexta-feira [16] dizendo se há alguma térmica que já precise entrar. Ainda não temos essa definição. 

Há uma projeção de demanda crescente de energia, sobretudo para atendimento a projetos de hidrogênio e data centers. O sistema está preparado para isso?
Projetos de data centers e de hidrogênio verde dependem de uma questão estrutural. Hoje a gente não dispõe de rede de transmissão disponível para atender com segurança os elevados montantes de demandas solicitadas. Então a gente tem que se preparar para isso. Estamos fazendo alguns estudos. A gente está com o projeto de compensadores síncronos no Nordeste, por exemplo, para poder ter uma energia mais confiável e para poder atender a questão dos data centers. 

Essa demanda crescente de conexão de grandes consumidores, como os data centers e plantas de hidrogênio verde, representa um novo desafio para a gente, para o sistema elétrico e para o mundo todo. Essas cargas têm sido demandadas recentemente e têm como característica ter uma demanda muito elevada. Então temos que pensar em como atender, porque é um investimento importante para o país, mas não comprometendo o nosso sistema. É um nível de crescimento que foge aos padrões normais por causa do boom da inteligência artificial. 

Como o ONS tem se preparado para atender aos data centers?
O ONS tem articulado com o Ministério de Minas e Energia e com a EPE para tentar viabilizar soluções estruturantes que permitam, de forma segura e sustentável, a futura conexão dessas novas cargas, resguardando a confiabilidade do sistema, porque isso tem que ser feito de forma segura. São estudos que nós estamos fazendo. E não podemos esquecer que depende também de uma regulação, por parte do ministério e da ANEEL. 

Essa questão de data centers é mundial. Todo mundo está tendo a mesma dificuldade, porque não é uma coisa que você pode planejar para daqui 10 anos. É um boom que está acontecendo agora e os investidores querem espaço para poder entrar na rede. Mas a gente tem que fazer isso com cautela.

No Nordeste, você tendo data center, novas empresas, automaticamente o corte deixa de existir um pouco. Quanto mais empresas você tiver, ele vai abaixar. Então agora é um período de transição, em que as demandas chegam de uma vez e a gente quer atender. Então a gente tem que fazer isso com cuidado para não prejudicar o nosso sistema. 

Há também o desafio já colocado do curtailment. Como está o grupo de trabalho? Há algum avanço ou diagnóstico?
Estamos com um trabalho que vai possibilitar o aumento de intercâmbio de energia no Nordeste. Já antes do grupo de trabalho estávamos com uma ideia de fazer uma revisão nos SEPs [Sistemas Especiais de Proteção]. SEPs são as proteções do sistema. Estamos fazendo uma revisão para que possamos diminuir um pouco essa proteção, sem alterar o funcionamento e dando mais espaço para a gente implementar mais carga. 

Então, isso vai dar em torno de mais ou menos uns 1.000 MW, e nós estamos trabalhando com essa linha. Acho que no final de julho já estará implementado. Também estamos trabalhando com compensadores síncronos. A princípio, já foram três demandados, estamos pensando em aumentar. Com isso, vamos conseguir escoar mais energia e diminuir o corte.

O que são os compensadores síncronos?
Compensador síncrono funciona como uma turbina. Imagina assim, você trabalha com uma frequência de 60 Hz. Se eu coloco uma energia muito elevada nessa rede, há uma oscilação. Quando há essa oscilação, causa apagão. Foi o que aconteceu no último apagão [de agosto de 2023]. Então, o compensador funciona como um motor que fica girando sem parar, e quando vem uma carga irregular, muito baixa ou muito alta, antes de a frequência ser alterada, ele estabiliza essa energia e aí não se tem esse problema.

O senhor disse que a revisão dos SEPs daria a possibilidade de aumentar o intercâmbio em cerca de 1.000 MW. E sobre os compensadores síncronos, com esses três já colocados e a possibilidade de vir mais, tem uma estimativa do quanto isso pode ajudar também a reduzir os cortes?
Os SEPs e os novos compensadores síncronos devem aumentar o limite de escoamento do Nordeste entre 1.500 a 2.000 MW. Com esse aumento de limite, a previsão é de redução do curtailment.

Que outros fatores podem ajudar a enfrentar o problema do curtailment?
Tem um outro ponto muito importante que é a consulta pública da ANEEL, a CP 45, que vai influenciar muito com relação às regras do curtailment. Essa consulta já está em fase final e nós estamos acompanhando esse trabalho desde o começo junto à ANEEL. Quando sair o resultado da consulta, as definições vão ajudar um pouco essa questão dos cortes.

E um outro assunto que eu acho que vai ajudar muito também é a questão do leilão de baterias, que está programado para acontecer logo após o LRCAP. A gente prevê que vai ser no final do ano, mais ou menos. Eu fui há pouco tempo para a China, para Xangai e Pequim, para conhecer o sistema de armazenamento de baterias deles, que é muito bom. Para nós aqui, para o Nordeste, cai como uma luva, porque durante o dia eu tenho energia em abundância. Aí eu consumo o que a minha demanda pede e o restante acaba não sendo consumido. Com as baterias, essa energia vai ser armazenada, e quando chega o horário de ponta, que é das 18h às 22h, eu consigo utilizar essa energia.

Aqui no Brasil vai ajudar muito também na questão de corte, junto com construção de novas linhas de transmissão para poder escoar a energia. E junto também com algumas usinas reversíveis, que a gente também está pensando em fazer. Tem usinas como Henry Borden, em São Paulo, tem também no Sul. Há vários lugares que têm essa condição de você tornar uma usina comum numa usina reversível, então você dobra a capacidade da usina praticamente.

Uma usina reversível seria com um outro reservatório, certo?
Vamos para São Paulo, que eu conheço melhor. Na usina Henry Borden, depois que a água passa pelas turbinas e gera energia, a água é despejada no rio Cubatão, que vai para o mar. Vamos supor que você pegue essa água, represe, bombeie para cima de novo, para o reservatório Billings e vai gerar energia de novo. Então você utiliza a mesma água e não prejudica o reservatório, não seca ele. 

O senhor gostaria de fazer alguma consideração final?
Resumindo, estou muito feliz à frente do ONS. É um trabalho desafiador. Temos 175 mil km de rede. Para se ter uma ideia, é o tamanho de toda a rede da Europa. É bom trabalhar e ver resultado, e, no ONS, vemos o resultado do trabalho das equipes. Tanto que temos um sistema muito confiável.

Temos um sistema que tem que ser extremamente confiável para não prejudicar a nossa população. Eu tenho uma diretoria muito responsável. Fico tranquilo em dizer que hoje temos o controle. Pode acontecer alguma coisa? Pode, estamos sujeitos a isso. Mas, hoje, temos um sistema mais seguro do que no passado. Até por conta dos últimos apagões, você sempre acaba aprendendo com o que acontece, vai evoluindo. Então o ONS é sempre um aprendizado, estamos sempre evoluindo para que a gente tenha um sistema robusto e confiável.

Nessa questão dos cortes que a gente estava falando, com essa série de medidas que estamos tentando implementar, algumas já implementamos, como os SEPs, estamos tentando e conseguindo diminuir um pouco essa aflição dos agentes. Agora, não posso deixar o sistema vulnerável.

Fonte: Agência Infra

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