As pequenas distribuidoras mostram a razão de a livre escolha ser o melhor caminho: a diferença entre Ativos e Passivos

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Tenho acompanhado as reuniões públicas da Diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). É uma mania. Faço isso desde que deixei a Agência. Em uma dessas reuniões, que entre vários assuntos homologou o reajuste das tarifas de uma pequena distribuidora, foi estimulante o comentário de um dos diretores quanto à possibilidade de redução dos custos da compra de energia por meio do mercado livre. É uma opção prevista em lei para as concessionárias e as permissionárias com carga menor que 700 GWh/ano.

Algumas já fizeram tal opção. Por esses dias bati os olhos em alguns resultados. Os números não surpreendem, mas elevam os decibéis do grito de liberdade. Os leilões são descentralizados e realizados pela própria concessionária. O maior preço de compra, já atualizado pelo IPCA, foi de R$ 170/MWh, enquanto o menor não chegou a R$ 138/MWh. Comparados com os custos médios dos leilões centralizados, que extraímos das Notas Técnicas dos reajustes tarifários de 2020, a diferença é espetacular.

Entre 2016 e 2020, onze desses leilões foram realizados. Os prazos dos contratos variam entre 9 e 19 anos. Grandes players participam desses leilões, e os vencem. E vejam que curioso: uma das exigências dos certames é que os potenciais vendedores comprovem que já foram habilitados nos leilões do governo e que possuem ativos de geração. Em outras palavras, os vencedores são ou foram também potenciais vendedores nos leilões do ambiente regulado. Não se surpreendam: entre esses vencedores, a maior parte pertence a grupos econômicos que controlam grandes distribuidoras. São ou não intrigantes esses resultados?

E eles poderiam ser ainda melhores. Por uma razão regulatória, as pequenas distribuidoras não têm liberdade para otimizar suas compras de energia. É que há uma incompreensível rigidez do mix de contratos. Se quiserem migrar para o ambiente de contratação livre (ACL), levam a obrigação de assumir um montante desproporcional de “energia de base” (quotas da MP 579, Itaipu e nucleares). É uma orientação que, na prática, vai na direção contrária da desoneração das tarifas, que o Regulador sinaliza como prioridade.

(“Energia de base” é um eufemismo criado na Aneel para caracterizar a modalidade de energia mais cara, compulsória, que reúne os custos de decisões equivocadas. Nela estão apoiadas as estacas da irracional política de subsídios).

Os contratos dos leilões das pequenas distribuidoras são ilustrativos em termos do equilíbrio entre vendedores e compradores. Por exemplo, a flexibilidade do consumo é, na média, de 15%, para mais e para menos, mas há casos concretos de 20%. E ainda é admitido um crescimento de mercado entre 3% e 4% ao ano. Ou seja, a vantagem de custos para essas compras no mercado livre é muito interessante, como se os consumidores estivessem a adquirir energia por 40% do preço regulado. Convém destacar que, com essas condições de comercialização, não haveria a Conta-Covid, que aumentará mais as tarifas.

Isto contrasta com as atitudes de grande parte quando o foco não é o serviço prestado, mas a maximização de um bolo de dinheiro a ser repartido. Este foi o caso da Audiência Pública que tratou da Conta Covid, particularmente nas sustentações orais feitas por ocasião da reunião da Diretoria da Aneel. Lá, as empresas não falavam pelos seus consumidores. Nem a eles se referiam. Os destaques eram para os efeitos sobre o EBTDA, covenants etc. Os consumidores eram vistos como um Passivo. Claro que os interesses dos acionistas devem ser defendidos e preservados com todo rigor, mas não com o esfumaçar dos interesses dos consumidores.

Mas também não é culpa das distribuidoras, e sim de uma modalidade equivocada de incentivos, que transformam o valor do serviço prestado em um empréstimo, que, na equação, passa a ser sinônimo de estabilidade regulatória.

Tudo isso apenas confirma que a livre escolha é o caminho mais racional, para compradores e vendedores, tanto que estes disputam nos leilões o direito atender àqueles. E o que é mais relevante: há sim um caminho para que os consumidores de baixa tensão também participem do mercado livre, ainda que indiretamente.

As pequenas distribuidoras têm suas concessões circunscritas em áreas de grandes distribuidoras. Basta atravessar uma rua, uma rodovia ou até uma cerca de arame. Com essa bem-sucedida estratégia de compra no ACL, não demorará muito tempo para que os consumidores das grandes distribuidoras, do outro lado da rua, questionem, e com razão, a elevada diferença de tarifas. O temor deste Blog é que, por causa disso, rapidamente apareça uma Emenda em uma Medida Provisória proibindo as compras das pequenas distribuidoras no Mercado Livre. Tudo é possível, inclusive isto.

Há cerca de 15 anos a Aneel e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) tentam implantar o Comercializador Varejista. Não andou muito. As pequenas distribuidoras indicaram uma trilha menos tortuosa. Bastam segui-la. Mas os consumidores precisam ser tratados como Ativos, e não como um Passivo Contábil.

Fonte: Papo de Energia

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