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Com o fechamento de shoppings, lojas e estabelecimentos comerciais e o anúncio de férias coletivas de algumas indústrias, como as montadoras GM e Mercedes-Benz, empresas e analistas do setor elétrico já trabalham com a expectativa de redução do consumo de energia elétrica nas próximas semanas. Mas, diferentemente das crises anteriores, comercializadoras também dividirão com as distribuidoras os prejuízos do impacto provocado pelo coronavírus na atividade econômica.

Dados divulgados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) mostram que o impacto negativo do coronavírus no consumo de energia, se houve, foi mínimo até a semana passada. No comparativo entre a primeira quinzena de março de 2020 e o mesmo período de 2019, a demanda teve ligeira alta de 0,4% em todo o País, sendo uma queda de 2% no mercado das distribuidoras e expansão de 6% no mercado livre.

Porém, com a adoção de normas mais rígidas de circulação de pessoas para conter o avanço do Covid-19, a tendência é de que os próximos números já tragam uma queda no consumo total de energia. Neste cenário, o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) do Instituto de Economia da UFRJ, Nivalde de Castro, avalia que o maior impacto de curto prazo da crise atual é sobre as distribuidoras de energia, diante do risco de sobrecontratação – demanda menor do que o volume comprado nos leilões.

O segmento de distribuição será o mais afetado diretamente pela recessão. Somam-se dois outros impactos negativos: (i) perda de mercado pela migração de consumidores cativos para o mercado livre; e (ii) rápida e subsidiada expansão da geração distribuída. O resultado líquido destes fatores será a sobrecontratação das concessionárias, o que reduz o seu caixa, uma vez que a energia comprada não será integralmente vendida e, possivelmente, não haverá direito de repasse do custo de todo o excedente aos consumidores cativos, avaliou o professor, em artigo publicado ontem no Broadcast.

O impacto, porém, não deverá ser uniforme entre as distribuidoras. Até o momento, as medidas mais drásticas estão sendo adotadas pelos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, especialmente nas regiões metropolitanas próximas às capitais – a prefeitura de Porto Alegre (RS) também anunciou a adoção das mesmas medidas. Com isso, grupos de energia com maior exposição a esses mercados no setor de distribuição, como a Enel, a EDP Brasil e a Light, podem ser as mais afetados pelo coronavírus.

O diretor de Operações da comercializadora de energia Electra Energy, Leonardo Salvi, afirma que, antes mesmo de o número casos de coronavírus aumentar significativamente no Brasil, já havia a expectativa entre os agentes do mercado de que o Covid-19 teria impacto no consumo de energia, especialmente no segmento industrial. Isso por conta dos impactos provocados pelo do vírus na atividade econômica da China e países da Europa, o que afetaria as operações das indústrias brasileiras.

Com a adoção do chamado isolamento social, outros setores da economia passaram a ser afetados, como estabelecimentos comercias e serviços, ampliando o impacto do vírus no consumo de energia. Por outro lado, levou a expectativa de um aumento da demanda residencial com a prática do home office. Quando a gente olha o mercado cativo, vemos que uma parte da carga de energia vai migrar do segmento comercial para a classe residencial. Ainda assim, o resultado líquido deve ser uma redução, diz Salvi.

Embora o risco de sobrecontratação das distribuidoras exista, o impacto dessa situação é menor hoje do que no passado. Isso porque o movimento de migração para o mercado livre levou diversas empresas do ramos de varejo, shoppings, universidades, hotéis, rede de restaurantes, bancos e indústrias de médio e grande porte, para o ambiente de livre contratação. E com o avanço do coronavírus, estão sendo justamente os setores que estão sendo os mais afetados em suas operações, com interrupção de suas atividades.

Com as altas das tarifas em 2015, houve um boom na migração de consumidores livres especiais a partir de 2016. Com isso, acreditamos que o mercado livre vai sofrer bastante com essa crise, projeta Salvi. O executivo acredita que o efeito não vai ser uniforme, e é possível que alguns setores, como o de hospital, tenha uma alta no consumo – outro que pode se beneficiar é o de supermercados. Mas, de novo, o resultado líquido também tende a ser uma redução, complementa.

Diferentemente da distribuição, os contratos entre os agentes que atuam no mercado livre são negociados bilateralmente em condições livres, o que pode auxiliar na minimização dos impactos da crise. Esses acordos possuem, por exemplo, cláusulas de take-or-pay e de flexibilidade de até 15% para cima ou para baixo no consumo, diz Mayon – a cláusula de take-or-pay estabelecem que os clientes paguem por um volume mínimo de energia, independente do montante consumido.

Salvi afirma que já é possível verificar nos dados de medição de alguns clientes livres uma redução no consumo de energia, ainda que pequena. Além disso, há conversas no setor de que alguns consumidores já sinalizaram a dificuldade de cumprir as flexibilidades previstas em nos contratos. Em um primeiro momento, as comercializadoras poderiam absorver a redução da demanda, diz o executivo, citando, por exemplo, o mecanismo de cessão de contratos, repassando energia de um consumidor para outro.

A grande questão agora é que todos os consumidores estão navegando para o mesmo sentido (redução da demanda), pondera. Outros mecanismos poderão ser adotados, como alongamento dos contratos ou uma compensação no futuro. Essas medidas vão depender da capacidade financeira das empresas (comercializadoras e consumidores) em absorver esses impactos, afirma o diretor da Electra Energy, que recomenda aos clientes livres que estudem os seus contratos neste momento de incertezas para a melhor tomada de decisão.

Fonte: Agência Estado

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