A EPE (Empresa de Pesquisa Energética) estima que o consumo industrial de energia no país crescerá 80% até 2034, afirma o presidente da estatal, Thiago Prado. Segundo ele, o aumento previsto se deve “principalmente pelo surgimento das grandes cargas consumidoras”, como data centers e inteligência artificial, além de projetos de hidrogênio. O consumo total do país subirá 25% no mesmo período, diz o executivo.
Em entrevista à Agência iNFRA, Prado disse acreditar em uma “nova onda de grandes investimentos em transmissão”. Ele afirmou que a EPE tem uma carteira de estudos que manterá o cronograma de leilões de transmissão para os próximos anos, como um novo bipolo para escoamento da geração renovável no Nordeste e um sistema para atender às cargas para produção de hidrogênio, da ordem de 4 GW (gigawatts).
A estatal também aponta para a necessidade de novos certames de geração, tanto de energia nova para atendimento da demanda crescente, como de leilões anuais de reserva de capacidade para garantir flexibilidade ao sistema. “Na medida que permanecemos agregando fontes renováveis variáveis ao nosso sistema, necessariamente também temos que caminhar com um acréscimo de potência num leilão de reserva de capacidade”, disse.
Thiago Prado ainda defendeu a conclusão de Angra 3. Ele afirmou que a decisão sobre a continuidade das obras da usina, a ser tomada na próxima terça-feira (18) pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), deve levar em conta “um olhar além do preço”.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Agência iNFRA – Quais as projeções de ampliação da matriz elétrica e da demanda do SIN (Sistema Interligado Nacional) para os próximos anos?
Thiago Prado – As perspectivas são positivas. No PDE (Plano Decenal de Energia) de 2034 temos algo em torno de R$ 3,2 trilhões de estimativa de investimentos na cadeia da energia elétrica, do setor de petróleo e gás natural, e biocombustíveis líquidos. Há uma estimativa de termos um crescimento do consumo total de energia da ordem de 25%. Isso equivale a dizer que em dez anos a gente vai crescer em cerca de 80% o consumo atual da energia do setor industrial.
Então são perspectivas de crescimento positivas e de um nível de investimentos intensivo nos próximos dez anos.
Por quais motivos vocês estimam esse aumento de consumo nos próximos dez anos?
É muito em função das discussões de transição energética, a intensidade na eletrificação de alguns segmentos e, principalmente, pelo surgimento das grandes cargas consumidoras.
Hoje temos um conjunto de projetos, por exemplo, para hidrogênio, somando algo da ordem de 50 GW de carga. E em data centers e inteligência artificial temos uma demanda estimada da ordem de 13 GW de projetos no Brasil.
Quais os principais desafios hoje para o planejamento do setor elétrico?
Eu diria que o planejamento tem muitos desafios e em diferentes frentes. A gente tem uma frente que o governo federal tem buscado avançar, que é a de pobreza energética. Nós temos um desafio de flexibilidade [operativa], não só no atendimento à ponta, mas também nas rampas (subidas do consumo), e o que fazer nos vales (queda da demanda ao longo do dia). E temos a questão do curtailment.
Em outra frente, a EPE colocou a potencialidade das usinas reversíveis como mais uma tecnologia candidata à discussão regulatória que se encontra na ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) sobre armazenamento de energia.
E temos também a frente de mudanças climáticas e adaptação. Essas mudanças já chegaram e a gente precisa olhar como que a infraestrutura do futuro precisa ser concebida para estar alinhada com novos níveis de risco. Além de um olhar para a infraestrutura existente, de como trazer uma abordagem de resiliência e adaptação ao que já existe.
Como a EPE tem trabalhado para ajudar com a questão da flexibilidade do sistema?
O CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) demandou à EPE um primeiro estudo de critérios e definições sobre flexibilidade. Está previsto para ser entregue ainda neste ano e acredito que vai ajudar a pautar bastante as discussões, inclusive junto ao ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).
Hoje não existem regras de flexibilidade, então o estudo é para ajudar a criar parâmetros do que é a flexibilidade. Muito se fala de flexibilidade, mas não se tem isso definido no campo normativo de forma clara e balizada. A ideia é justamente trazer isso para um campo mais objetivo. Temos intensificado os diálogos, tentando uniformizar os critérios de planejamento da expansão com os critérios de planejamento da operação, para que todos esses conceitos nasçam harmoniosos e possam gerar boas decisões ao governo.
E quanto ao curtailment, o que pode ser feito do ponto de vista de planejamento para atenuar esse problema?
Temos trabalhado de forma muito próxima ao ONS para alinhar as informações dos geradores, principalmente a partir do evento que aconteceu em agosto [de 2023], e ter uma base de dados mais refinada para poder revisitar os estudos de transmissão e analisar os limites de intercâmbio que estão sendo praticados hoje com o que a gente estava praticando no planejamento. A partir daí é que vamos conseguir identificar se há necessidade de ajustes na rede que eventualmente reduzam esse nível de curtailment.
E estamos buscando, além dos investimentos em expansão, trazer um nível de inovação. No início do mês, fizemos um evento na Abdib [Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base] em que identificamos uma série de tecnologias que poderiam ser aplicadas no sistema, e uma delas que nos pareceu ter o resultado mais próximo se chama DLR [Dynamic Line Rating]. É uma tecnologia que passa a fazer um monitoramento em tempo real, por exemplo, dos ventos. E aí, com isso, trabalhar na temperatura dos cabos para passar mais energia nesses cabos. Assim, a gente eliminaria, por exemplo, as questões de curtailment por restrição elétrica. A EPE tem se debruçado sobre esse trabalho e em breve a gente deve estar compartilhando também com o ministério e com o ONS esses achados.
Vocês também fizeram estudos sobre Angra 3. Qual é a visão da EPE sobre a obra?
Angra 3 se encontra para deliberação pelo CNPE, [em reunião] prevista ainda no mês de fevereiro. A EPE fez uma análise de estudos complementares a partir dos estudos que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) trouxe. Na nossa visão, o olhar sobre Angra 3 tem que ser além do preço da energia. O empreendimento agrega uma série de outros itens que atualmente não são precificáveis e coadunam com a política nuclear brasileira e com o desenvolvimento de uma cadeia de valor do setor nuclear.
É uma energia firme. Muito se discute se polui, sobre a questão do preço comparando com outras fontes, mas esse é um recurso que é totalmente despachável, que entrega energia quando o sistema precisa e que agrega segurança.
O que vocês concluíram com esses estudos?
O que a gente viu é que essa não é uma análise econômica comum, como se costuma fazer. O processo decisório nos outros países considera outras variáveis além de uma métrica única de preço. Essas variáveis mais estratégicas que a gente buscou trazer no opinativo que foi submetido ao governo, em que a gente entende que esse é um projeto que deve continuar, por uma série de outros motivos que vão além dessa comparação simples de preço.
Quando temos esses outros elementos na base comparativa, esse valor relativo dos preços se altera. Não é uma conta justa quando a gente vê comparações de uma usina nuclear com um parque fotovoltaico, um parque eólico. Por exemplo, se você começar a comparar a energia nuclear colocando projeções de futuro do mercado de carbono, essa base relativa começa a se alterar, inclusive se a gente comparar essa usina com uma térmica a gás natural ou a óleo combustível.
Nesse ano, está prevista a realização do leilão de potência. Como está o processo para definir o montante a ser contratado? Quando deve ser divulgado?
Essa definição é uma responsabilidade compartilhada entre a EPE e o ONS. É uma nota técnica conjunta que recomenda ao MME (Ministério de Minas e Energia), um pouco antes da sessão pública, um montante a ser contratado. Ela é produzida o mais próximo possível do leilão para que possamos utilizar os dados mais atualizados disponíveis.
Mas existe algum indicativo de quanto deve ser?
As projeções da EPE constam no PDE 2034 e giram em algo entre 6 GW e 10 GW. O que a gente vê, e acho que tem um pouco a ver com a expectativa do mercado, é que não se trata de um único leilão. Esse é um leilão de 10 produtos, com uma contratação de vários anos, até 2030, se eu não me engano. Mas a gente tem identificado necessidade de acréscimo de potência até 2034, o último ano do nosso plano decenal, e a tendência é que isso continue.
Na medida que a gente atualiza o Plano Decenal, acredito que vamos só ratificar a necessidade de mais leilões de reserva de capacidade nos próximos anos. Acredito que todo ano, a princípio, a gente tenha pelo menos um leilão de reserva de capacidade a ser realizado para ir fazendo os ajustes ao crescimento da oferta.
O que é levado em conta para calcular essa necessidade de potência?
Na medida em que permanecemos agregando fontes renováveis variáveis ao nosso sistema, necessariamente também temos que caminhar com um acréscimo de potência num leilão de reserva de capacidade para fazer vis-à-vis com esse avanço da oferta de energia variável.
A gente considera o que está saindo, o que está ingressando e também a natureza das cargas. E tem um outro aspecto importante: na medida que a gente tem cargas que são mais constantes no sistema, como por exemplo data centers e hidrogênio, que têm uma operação muito linear e mais constante, elas exigem mais do sistema no período em que você não tem sol ou muito vento. Então tem que ter uma fonte que garanta a segurança para o abastecimento dessas cargas. Isso também gera acréscimo no requisito de potência.
Também para esse ano está previsto um leilão A-5 para PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas). Por que há necessidade de um leilão desse tipo para o mercado cativo? Passou a fase de sobrecontratação das distribuidoras?
Todo segundo semestre do ano, o MME faz de forma proativa um levantamento junto às distribuidoras sobre as demandas para atendimento ao crescimento dos mercados delas. Normalmente isso é algo que acontece entre setembro e outubro e dá uma sinalização para o ministério da necessidade de realizar ou não um leilão de energia nova, que pode ser um A-3, A-4, A-5, A-6 ou, eventualmente, A-7, se tivesse uma usina hidrelétrica de concessão a ser licitada. Eles olham essas projeções de demanda e, se houver pelo menos uma distribuidora com demanda a ser contratada para atender o crescimento desse mercado, o ministério se vê obrigado a desenvolver um leilão de energia nova.
A gente encerrou o cadastramento [para o leilão] no dia 7 de fevereiro com um recorde de 225 projetos de PCHs e CGHs (Centrais Geradoras Hidrelétricas). É a maior oferta que já tivemos para essa fonte em relação aos certames anteriores. O que é bom, pois significa que haverá competição e isso se traduz em preço.
E por que contratar apenas PCHs nesse leilão?
Nós produzimos dentro do Plano Decenal uma cesta de ofertas. Temos um modelo de decisão de investimento e indicamos ali um conjunto de fontes que atendam aquele mix de renovabilidade da matriz. E uma das fontes candidatas que se encontra lá são as PCHs. E quem decide é o ministério [de Minas e Energia], que é o grande maestro que tenta fazer com que aquele mix de fontes permaneça de forma equilibrada para manter a nossa matriz não dependente de um ou dois recursos para termos uma expansão diversificada, diluindo os riscos.
Ainda sobre leilões, o que está em estudo para a transmissão?
A gente encaminha para o ministério todo o ano uma programação de estudos, de planejamento da transmissão, e temos sim perspectivas de manter o cronograma de leilões de transmissão para os próximos anos, porque a gente tem projetos a serem licitados. Acredito que vai ter uma nova onda de grandes investimentos na transmissão. Temos estudos muito sensíveis em produção aqui dentro da EPE, por exemplo um reforço para Manaus, para dar mais confiabilidade, e um segundo reforço para Boa Vista, que vai se encadear com o resultado desse estudo de planejamento para Manaus.
Temos um novo bipolo saindo do Nordeste que também se encontra em desenvolvimento aqui na EPE. E mais um outro estudo de transmissão, que foi demandado pelo ministério agora recentemente, que é para conexão de carga para hidrogênio. E aí a gente pretende desenhar um sistema de transmissão que possa atender cargas da ordem de 4 GW de carga de hidrogênio em uma primeira fase
Fonte: Agência Infra